domingo, 5 de abril de 2009

As amendoeiras que não chegámos a ver


Algarve.Lagos, mais propriamente, apartamento 153. a avó dorme copiosamente enquanto vê as criancitas amestradas a pularem em frente à TV. a noite já caiu há algum tempo e a magui já levitou três vezes numa clara demonstração da insustentável leveza do ser. A mim, titi, deixaram-me a falar sozinha e eu resolvi-me a começar este discurso com as amendoeiras em flor Ah Ah! e as estevas em flor! que não chegámos a ver. Doravante havemos de ter mais cuidado no modo como nos pomos à estrada, teremos de vir munidas de chumbo para não levitar e de amendoas de Páscoa para adoçar a boca e posto isto me vou porque a magui Shuti quer falar no msn e eu estou a atravancar...destravanquemos então, agora espero que ela escolha a foto para ilustrar esta diarreia mental que eu pacientemente aqui construi para vosso deleite neste domingo que é quase de Páscoa e mai nada.

sábado, 4 de abril de 2009

História a duas mãos

Georges de La Tour, O Batoteiro do Ás de Copas (1635)

Apesar de ser tarde Joana ainda se arrastou até à paragem do autocarro, o vício do jogo era mais forte do que ela. O crepúsculo caía sobre a cidade concedendo-lhe um cruel tom de morte. Já era tarde, mas não tão tarde que pudesse afastar de si a sede de tocar de novo a mesa verde onde, como num filme, o destino, o seu destino, se fazia e desfazia. Já nada tinha a perder, pois tudo o que tinha colapsara numa aposta falhada. Restava-lhe todavia uma pequena parcela de orgulho, um orgulho trespassado de humilhações mas que sobrevivera e, era com a sua sombra, que se dirigia a mais uma jogada. Quando o autocarro virou a esquina antes do casino, os seus olhos vislumbraram na escuridão da noite um vulto que subitamente saltou para a estrada. O motorista tentou desviar-se, mas tarde demais, o som da travagem repentina misturou-se com o bruto som do impacto com o corpo. Um último grito ecoou no silêncio da noite. O corpo estava irreconhecível, apenas a sua mão jazia no chão, intacta e já sem vida, mas ostentando ainda um anel de brasão no dedo anelar e... uma carta que se soltara e fora arrastada pelo vento. Joana sentiu o impulso irresistível para apanhar a carta que rodopiava no ar, mas o vento era forte. O orguho de Joana impediu-a de parar. Num último esforço saltou conseguindo agarrá-la. Uma rápida visão permitiu-lhe identificar o Ás de Copas que lhe pareceu sorrir. O vento soprou de novo com mais intensidade, e Joana, cansada, deixou-se levar para o abismo. O Ás de Copas ria-se agora à gargalhada do seu destino. Joana não seria a última das suas vítimas.