domingo, 5 de abril de 2009
As amendoeiras que não chegámos a ver
sábado, 4 de abril de 2009
História a duas mãos
Apesar de ser tarde Joana ainda se arrastou até à paragem do autocarro, o vício do jogo era mais forte do que ela. O crepúsculo caía sobre a cidade concedendo-lhe um cruel tom de morte. Já era tarde, mas não tão tarde que pudesse afastar de si a sede de tocar de novo a mesa verde onde, como num filme, o destino, o seu destino, se fazia e desfazia. Já nada tinha a perder, pois tudo o que tinha colapsara numa aposta falhada. Restava-lhe todavia uma pequena parcela de orgulho, um orgulho trespassado de humilhações mas que sobrevivera e, era com a sua sombra, que se dirigia a mais uma jogada. Quando o autocarro virou a esquina antes do casino, os seus olhos vislumbraram na escuridão da noite um vulto que subitamente saltou para a estrada. O motorista tentou desviar-se, mas tarde demais, o som da travagem repentina misturou-se com o bruto som do impacto com o corpo. Um último grito ecoou no silêncio da noite. O corpo estava irreconhecível, apenas a sua mão jazia no chão, intacta e já sem vida, mas ostentando ainda um anel de brasão no dedo anelar e... uma carta que se soltara e fora arrastada pelo vento. Joana sentiu o impulso irresistível para apanhar a carta que rodopiava no ar, mas o vento era forte. O orguho de Joana impediu-a de parar. Num último esforço saltou conseguindo agarrá-la. Uma rápida visão permitiu-lhe identificar o Ás de Copas que lhe pareceu sorrir. O vento soprou de novo com mais intensidade, e Joana, cansada, deixou-se levar para o abismo. O Ás de Copas ria-se agora à gargalhada do seu destino. Joana não seria a última das suas vítimas.